domingo, março 30, 2008

Miguel Torga


Fronteira

De um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente; doutro lado gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo céu os olha e os consente.
*
O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcateia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.
*
Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.

sexta-feira, março 21, 2008

Dia Mundial da Poesia


Quero um cavalo de várias cores
Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores? .
*
Reinaldo Ferreira
Poemas
Estudo de José Régio
Prefácio de Guilherme de Melo
o chão da palavra/poesia

segunda-feira, março 17, 2008

domingo, março 16, 2008

Florbela Espanca


Noite de Saudade

*
A Noite vem poisando devagar

Sobre a Terra, que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...
*
Ninguém vem atrás dela a acompanhar

A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
*
Por que és assim tão escura, assim tão triste?!

É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!
*
Saudade que eu sei donde me vem...

Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

terça-feira, março 11, 2008

Luis de Camoes


Verdes são os campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

segunda-feira, março 10, 2008

Antero de Quental



Entre sombras

`*
Vem às vezes sentar-se ao pé de mim -

A noite desce, desfolhando as rosas -
Vem ter comigo, às horas duvidosas,
Uma visão, com asas de cetim...
*
Pousa de leve a delicada mão -
Rescende aroma a noite sossegada
- Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração...
*
E diz-me essa visão compadecida
- Há suspiros no espaço vaporoso
- Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?
*
Vem comigo! Embalado nos meus braços
- Na noite funda há um silêncio santo
- Num sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços...
*
Porque eu habito a região distante
- A noite exala uma doçura infinda
- Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante...
*
Habito ali, e tu virás comigo -

Palpita a noite num clarão que ofusca
- Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alívio, pobre amigo...
*
Assim me fala essa visão nocturna -

No vago espaço há vozes dolorosas -
São as suas palavras carinhosas
Água correndo em cristalina urna...
*
Mas eu escuto-a imóvel, sonolento

- A noite verte um desconsolo imenso
- Sinto nos menbros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento...
*
Fito-a, num pasmo doloroso absorto

- A noite é erma como campa enorme
- Fito-a com os olhos turvos de quem dorme
E respondo: bem sabes que estou morto!
*
Antero de Quental

domingo, março 09, 2008

Antero de Quental "A Uma Mulher"


A Uma Mulher

*
Para tristezas, para dor nasceste.

Podia a sorte pôr-te o braço estreito
Nalgum palácio e ao pé de régio leito,
Em vez deste areal onde cresceste:
*
Podia abrir-te as flores - com que veste

As ricas e as felizes - nesse peito;
Fazer-te... o que a Fortuna há sempre feito...
Terias sempre a sorte que tiveste!
*
Tinhas de ser assim... Teus olhos fitos,

Que não são deste Mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,
*
Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,

Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto só tinhas nascido!
*
in «A Geração de 70» Sonetos de Antero de Quental,

prefácio de Oliveira Martins,
Circulo de Leitores, 1987

quinta-feira, março 06, 2008

Miguel Torga


Dá-me a tua mão

*

Dá-me a tua mão: vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei naquilo que existe
entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo
e que é a linha sub-reptícia.
*
Entre duas notas de música existe uma nota,

entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo,
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
*
Miguel Torga

quarta-feira, março 05, 2008

Homenagem a Antonio Aleixo

Quadras Populares
*
As águias de hoje na guerra,

Com os seus golpes traiçoeiros,
Queimam os pastos da terra...
Morrem de fome os cordeiros.
*
Da guerra os grandes culpados,
Que espalham a dor na terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.
*
o oiro, o cobre e a prata,
Que correm p'lo mundo fora,
Servem sempre de arreata
p'ra levar burros à nora.
*
Que o mundo está mal, dizemos,
E vai de mal a pior;
E, afinal, nada fazemos
p'ra que ele seja melhor.
*
Se os homens chegam a ver
Por que razão se consomem,
O homem deixa de ser
O lobo do outro homem.
*
Antonio Aleixo

terça-feira, março 04, 2008

Eugenio de Andrade


Que música escutas tão atentamente
*
Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
*
Eugénio de Andrade

(Coração do dia)

sábado, março 01, 2008

Recordar Camacho Costa - Actor Português

José Camacho Costa (n. Odemira, 8 de Junho de 1946 - m. Lisboa, 1 de Março de 2003), actor português.
Licenciado em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi crítico de cinema entre 1973 e 1978, mas foi ao teatro, principalmente à comédia portuguesa que mais se dedicou. Entre 1976 e 2000 participou em mais de vinte produções dos teatros do Parque Mayer.
Trabalhou também com os
Artistas Unidos onde foi dirigido por Jorge Silva Melo. Com mais de dez participações no cinema, em filmes como Manhã Submersa de Lauro António, Saudades para Dona Genciana de Eduardo Geada, O Testamento do senhor Napumoceno da Silva Araújo de Francisco Manso ou Ilhéu da Contenda de Leão Lopes, popularizou-se com a sua presença regular nas principais séries televisivas de humor portuguesas, como Os Malucos do Riso de Marecos Duarte. (SIC). O papel mais conhecido e mais cómico foi o Lelo cuja etnia era cigana
Morreu a 1 de Março de 2003, vítima de um
cancro pulmonar.(In Wikipedia"