domingo, fevereiro 13, 2005

As ceifeiras



Trabalho executado em Gobellin por Quicas
Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,

Julgando-se feliz talvez, Canta,
e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave

No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,

Na sua voz há o campo e a lida
, E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !

O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu !


Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso !
Ó céu ! Ó campo ! Ó canção ! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve !


Entrai por mim dentro !
Tornai Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !

Fernando Pessoa

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