quarta-feira, janeiro 30, 2008

homenagem a Miguel Torga

Súplica
*
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
*
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
*
Miguel Torga

domingo, janeiro 27, 2008

Homenegem a Fernando Pessoa


SOSSEGA CORAÇÃO
*
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme.
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
*
Fernando Pessoa

sábado, janeiro 26, 2008

Fernando Pessoa Homenagem






AH, UM SONETO...
*
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
*
No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
*
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
*
Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falva...e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
*
Álvaro Campos

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Homenagem a Fernando Pessoa




Conselho

*
Cerca de grandes muros quem te sonhas.

Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
*
Faze canteiros como os que outros têm,

Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;

E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és
*
Um jardim ostentivo e reservado,

Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
*
Fernando Pessoa

terça-feira, janeiro 22, 2008

António Gedeão


Aurora boreal
*
Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
*
Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
*
António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001

domingo, janeiro 20, 2008

Teixeira de Pascoães





Ao sol-por
*
Eu canto no crepúsculo... A Tristeza
recorda-me longínqua aspiração,
na qual pressinto a imagem da beleza
que os meus olhos, um dia,alcaçarão...
*
A paisagem,na sombra, sonha e reza...
Seu vulto é de fantástica visão.
Dir-se-á que a imperdemida
Natureza tem lágrimas a arder o coração.
`*
E canto a minha mágoa; vou cantando...
E vou, saudoso e pálido, ficando
mais distante de mim, mais para além...
*
Nesta melancolia, que é chorar
sem lágrimas,eu vivo a meditar
no que me prende... a terra, o céu, alguém?
*
Teixeira de Pascoães

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Homenagem a Fernando Pessoa



campanasobrecampana


O meu olhar
:
O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
*
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
*
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela
é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
*
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Fernando Pessoa

domingo, janeiro 13, 2008

Fernando Pessoa



cosavida
*
Vendaval
*
Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu penssamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!
Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
*
Fernando Pessoa

sábado, janeiro 12, 2008

Ser Professor é o que dá!

Ser professor!
Eis a questão...
Prolongamento exagerado do tempo de serviço…

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Quanto vale um bom Cafe?


Sistema de exercicios para seu Cão


Natal, e não Dezembro (David-Mourão Ferreira)


Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
*
*Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
*
*Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave..
*
.Entremos, despojados, mas entremos.
*Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.



love story