segunda-feira, março 10, 2008

Antero de Quental



Entre sombras

`*
Vem às vezes sentar-se ao pé de mim -

A noite desce, desfolhando as rosas -
Vem ter comigo, às horas duvidosas,
Uma visão, com asas de cetim...
*
Pousa de leve a delicada mão -
Rescende aroma a noite sossegada
- Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração...
*
E diz-me essa visão compadecida
- Há suspiros no espaço vaporoso
- Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?
*
Vem comigo! Embalado nos meus braços
- Na noite funda há um silêncio santo
- Num sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços...
*
Porque eu habito a região distante
- A noite exala uma doçura infinda
- Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante...
*
Habito ali, e tu virás comigo -

Palpita a noite num clarão que ofusca
- Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alívio, pobre amigo...
*
Assim me fala essa visão nocturna -

No vago espaço há vozes dolorosas -
São as suas palavras carinhosas
Água correndo em cristalina urna...
*
Mas eu escuto-a imóvel, sonolento

- A noite verte um desconsolo imenso
- Sinto nos menbros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento...
*
Fito-a, num pasmo doloroso absorto

- A noite é erma como campa enorme
- Fito-a com os olhos turvos de quem dorme
E respondo: bem sabes que estou morto!
*
Antero de Quental

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