segunda-feira, dezembro 10, 2007

Camilo Pessanha

Camilo Pessanha nasce em Coimbra em Setembro de 1867, filho ilegitimo de um magistrado e de uma mulher humilde. Cria um certo gosto pela aristocracia e pela simplicidade das coisas. Na sua vida, passa pela doença e por um vício: o ópio. Em 1891 forma-se em Direito em Coimbra, partindo três anos depois para Macau, como professor de Liceu. Entretando alguns dos seus poemas sãopublicados em alguns jornais de província e revistas.É como Conservador do Registo Predial de Macau, que aparece em 1900, regressando a Lisboa em 1905.Em 1916, voltam a ser publicados alguns dos seus poemas na revista Centauro. Morre a 1 de Março de 1926 em Macau, deixando aos poetas da sua época um contributo literário marcadamente simbolista.
Branco e Vermelho
*
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
*
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandescente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim!
*
Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distância reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)

Na areia imensa e plana,
Ao longe, a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte,
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte. `
*
Até ao chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Os seus magros perfis,
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negros recortados
Magros, mesquinhos, vis.
*
A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desiquilibra.
*
Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo.
Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor...
*
E ali fiquem serenos,
De costas e serenos...
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas.
Ó céus claros e amenos
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas!
*
A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandescente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.
*
Ó Morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor...
*
Camilo Pessanha

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